"Há 50 anos, quando uma criança cometia suicídio, dizíamos que era um acidente", afirma psiquiatra.
"Há 50 anos, quando uma criança cometia suicídio, dizíamos que era um acidente", afirma psiquiatra.
Fonte: Revista Crescer
Em entrevista a um jornal espanhol, o psiquiatra Luis Rojas Marcos fala como a forma de encarar
o sofrimento mental das crianças mudou nas últimas décadas.
Hoje temos mais diagnósticos de depressão infantil porque a ideia é relativamente nova, mas [depressão em criança] sempre existiu." Essa é uma fala do psiquiatra espanhol Luis Rojas Marcos, autor de best-sellers como "Auto-Estima: Nossa Força Interior". Especialista em saúde mental, já foi diretor do sistema psiquiátrico hospitalar de Nova York (EUA) e responsável pelos serviços municipais de saúde mental, alcoolismo e outras drogas da cidade.
Em uma recente entrevista ao jornal espanhol El Diario Montañés, ele falou sobre como enxerga o aumento na procura por serviços de saúde mental para crianças e adolescentes nos últimos anos.
"Há 50 anos, quando uma criança de 9 anos cometia suicídio, dizíamos que era um acidente.
A família não reconhecia e a medicina também não dava espaço para isso. Começou a mudar quando eu comecei [na profissão]. Agora, graças aos estudos, sabemos que é uma doença. Igual bulimia, anorexia e o TDAH, que se dizia que era uma criança nervosa, impaciente, mas não é", disse.
Um levantamento recente feito pela Fiocruz, em parceria com a Universidade de Harvard (EUA), analisou bases de dados do Ministério da Saúde e concluiu que a taxa de suicídio entre crianças
e adolescentes cresceu 6% ao ano entre 2011 e 2022. Para comparação, na população em geral,
o aumento foi de apenas 3,7% ao ano no mesmo período.
"Esse crescimento é muito estável ao longo do tempo. É uma tendência, como se ele fosse acontecendo sem picos, desde 2011. A pandemia foi importante, mas precisamos pensar além dela
e olhar para uma série de variáveis que vêm impactando os jovens desde muito antes", explica Flávia Jôse Alves, pesquisadora do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (CIDACS/FIOCRUZ) e Harvard Medical School.
Na entrevista ao jornal espanhol, Luis Rojas Marcos fala de como as redes sociais e a falta de atividades presenciais com outros jovens podem ter influenciado nesse aumento. "Compartilhar conteúdo pode ser positivo se é de vez em quando e se você recebe validação. Eu também faço isso às vezes no X, antigo Twitter. O fato de que isso seja feito de maneira constante é o que coloca um rótulo negativo. Você perde a possibilidade de muitas coisas, como fazer esporte, socializar e estudar. Isso não é positivo para o desenvolvimento", finaliza.
O que está por trás do aumento de números de suicídio de crianças e adolescentes
Quando ouvimos falar em um caso de alguém que escolheu tirar a própria vida, é natural que muitas dúvidas venham à nossa mente. Ficamos nos perguntando o por quê de a pessoa ter tomado essa decisão, o que poderia ter sido feito para evitar, quanto ela estava sofrendo para chegar a esse ponto, que outras alternativas poderia ter escolhido... Acontece que, nem sempre, essas são perguntas fáceis de se responder. Há muitos fatores em jogo quando falamos em suicídio. Não existem respostas prontas e nem verdades absolutas: cada caso é um caso.
"O suicídio é a linha final de uma série de situações, de acontecimentos que a pessoa foi experimentando ao longo da vida. Quando pensamos nos fatores de risco na adolescência, especificamente, é importante pensar em várias outras questões, como prevenção de bullying, respeito às diferenças, criação de um ambiente acolhedor, a participação da família, políticas públicas...", explica a psicóloga Estela Ramires Lourenço, especialista em Intervenção na Autolesão, Prevenção
e Posvenção do Suicídio (SP).
Em outras palavras, não dá para encontrar uma só resposta que explique o porquê de tantos casos
de suicídio entre adolescentes. É preciso pensar individualmente e avaliar a história da vida, a relação familiar, as experiências passadas, as amizades, a presença online, a relação com escola...
"A adolescência é uma fase de muita alteração de humor e, além das questões hormonais, tem ainda
a questão emocional, que está diretamente relacionada à aceitação. Quando o adolescente chega em casa e sente que não foi ouvido, ele se desespera, pois acha que não é bom o suficiente para estar naquele ambiente", diz a psicanalista de crianças, adolescentes e mães Mônica Pessanha,
colunista da CRESCER.