top of page
Revista Crescer

Qual é a relação entre bullying e suicídio infantil? Especialistas explicam.

Fonte: Revista Crescer

O bullying pode, sim, ser um fator de risco para o suicídio. Mas isso não significa que ele justifique sozinho o acontecido. CRESCER conversou com psicólogos, pedagogos e pediatras para entender como funciona essa relação e o que podemos fazer para acolher as crianças antes que seja tarde demais


Você provavelmente já deve ter ouvido uma história de alguma criança ou adolescente que se suicidou e, quase que imediatamente, alguém veio com a suposição: "Ah, fez isso porque devia estar sofrendo bullying na escola". Quando um caso de suicídio entre crianças vem a público ou vira manchete de jornal, comentários como esse são quase que inevitáveis. Mas, cada vez mais, especialistas vêm alertando: é preciso tomar muito cuidado ao fazer essa associação.


"Dizer que alguém cometeu suicídio só porque sofria bullying é perigosíssimo.

O bullying é realmente um fator agravante que pode aumentar consideravelmente o risco, mas ele não é a única causa. Ele só vai se somar a todo um histórico de sofrimento que já existia. Suicídio é uma questão multifatorial e precisamos vê-lo dessa forma para saber como agir", afirma o pedagogo Benjamim Horta, criador do Programa Escola Sem Bullying e diretor-fundador da Abrace Programas.


Como explica o especialista, é preciso deixar claro que existe, sim, uma relação entre as duas coisas. Porém não é porque uma criança se suicidou que ela, necessariamente, sofria bullying. E nem toda criança que está envolvida com bullying vai apresentar comportamentos suicidas. Apesar disso, não devemos fechar os olhos para o problema ou menosprezar a questão. Muito pelo contrário.


CRESCER conversou com psicólogos, pedagogos e pediatras para entender qual é o "papel" que o bullying pode ter em casos de suicídio infantil e o que podemos fazer para acolher as crianças antes que seja tarde demais.


Mas o que é bullying, afinal?

Discussões, desentendimentos e falta de afinidade são comuns na infância e podem fazer parte do processo de desenvolvimento e de socialização com outras crianças.

Mas é importante identificar quando esses "problemas" de convivência passam

do ponto e exigem um olhar mais cuidadoso por parte dos adultos.


Nesse sentido, pais, cuidadores e educadores devem estar atentos para entender quais comportamentos são pontuais e podem ser resolvidos facilmente e quais merecem intervenção, trazendo o risco de consequências mais graves para a saúde emocional dos pequenos.


"Houve uma hipérbole do termo 'bullying' e isso fez com que a gente perdesse o real significado da palavra. Para que a gente possa usá-la, temos de identificar três critérios: a repetição da ação, a intenção de causar mal-estar e o desequilíbrio de poder, já que quem está sofrendo normalmente não tem condições de se defender", afirma Benjamim Horta.


O papel da escola

Infelizmente, no Brasil a prática do bullying é mais comum do que parece.

Dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostram que o número de casos de bullying no país é duas vezes maior do que a média internacional. Vinte e oito por cento (28%) dos diretores de escolas de Ensino Fundamental dizem ter de lidar todas as semanas com problemas de bullying; no Ensino Médio, esse número é de 18%. Nas escolas públicas, o cenário é ainda pior: os percentuais são de 35% e 23%, respectivamente.


Segundo o pedagogo Benjamim Horta, isso acontece porque a maioria dos casos de bullying ainda está relacionada ao ambiente escolar. "O pico dos casos de bullying acontece no terceiro, quarto e quinto ano do Ensino Fundamental, mas isso não torna menos preocupante o que acontece nas outras idades.


O número de casos vai diminuindo à medida que vai chegando o Ensino Médio, mas eles vão ficando mais sérios e com mais requinte de crueldade, sendo até mais nocivos", diz.

"Mesmo quando vão para o virtual, os casos costumam nascer na escola. E isso, obviamente, vai repercutir na saúde mental do aluno."

77% dos pais de crianças trans afirmam que seus filhos já foram vítimas

de bullying na escola


O psiquiatra pediátrico Tyler Black, professor da Universidade da Colúmbia Britânica (Canadá), fez uma análise mostrando que, em dias letivos, os índices de sofrimento psíquico e de risco de suicídio de crianças e adolescentes eram maiores.

Ele chegou a essa conclusão depois de observar dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos. Os números revelam que mortes infantis por suicídio diminuem justamente em meses de férias, quando os alunos estão longe do colégio.


"A escola vem com muitas coisas, boas e ruins. Ela pode ser maravilhosa, com experiências de aprendizado, interações sociais e uma sensação de pertencimento e de conexão com os outros. Mas também pode ser extremamente estressante por causa de responsabilidades acadêmicas, bullying, questões de saúde, deficiência, discriminação…", escreveu.


Para Tyler, é fundamental que educadores, pais e alunos trabalhem juntos para fazer com que a experiência escolar possa ser encarada de uma forma mais leve, trazendo menos prejuízos à saúde mental dos jovens. "Se você é alguém que trabalha com crianças em idade escolar, a cada começo de ano letivo, pergunte a si mesmo o que poderia estar fazendo para reduzir a pressão ou melhorar a qualidade de vida das crianças que estão sob seus cuidados. Isso, sim, seria realmente prevenção de suicídio", finalizou.


Relação entre bullying e suicídio

Dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, em 2021, pelo menos 23% dos alunos brasileiros foram vítimas de bullying.

Dos 188 mil adolescentes entrevistados, um em cada 5 disse que a vida

não valia a pena ser vivida.


Acontece que, quando falamos em suícidio, muita coisa está em jogo. Não existem respostas prontas e nem verdades absolutas: cada caso é um caso. Não dá para encontrar uma só resposta que explique o porquê de tantos casos de suicídio entre adolescentes. É preciso pensar individualmente e avaliar a história da vida, a relação familiar, as experiências passadas, as amizades, a presença online, a relação com a escola...


"O suicídio é a linha final de uma série de situações, de acontecimentos que a pessoa foi experimentando ao longo da vida. Quando pensamos nos fatores de risco na adolescência, especificamente, é importante pensar em várias outras questões, como prevenção de bullying, respeito às diferenças, criação de um ambiente acolhedor, a participação da família, políticas públicas...", explica a psicóloga de adolescentes Estela Ramires Lourenço, especialista em Intervenção na Autolesão, Prevenção

e Posvenção do Suicídio (SP).


"De 30 a 40% das crianças em idade escolar vão sofrer bullying, mas a maioria não vai cometer crimes", dizem especialistas


Uma cartilha publicada recentemente pelo CDC também defende justamente essa ideia. O bullying pode, sim, ser um fator de risco para o suicídio. Mas isso não significa que ele justifique sozinho o acontecido. Ele é apenas mais uma das muitas coisas que estão em jogo. "Reduzir essa questão como se o bullying fosse a única causa direta de suicídio é muito prejudicial, porque pode trazer uma falsa noção de que o suicídio é uma resposta natural ao bullying.


Além disso, tira a atenção de outros fatores de risco importantes para o comportamento suicida, como doenças mentais, abuso de substâncias, famílias disfuncionais", diz o documento.


Em outras palavras, o bullying é como se fosse a última gota d'água responsável por fazer o copo transbordar. Ou, como diria a psicóloga Raquel Antoniassi, membro da diretoria da Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio (ABEPS), ele funciona como uma bituca de cigarro. "Se você joga a bituca num gramado verde e saudável, até vai provocar algum dano, mas o fogo não vai se alastrar.


Agora, se você joga essa mesma bituca num terreno que já estava seco e precisando de cuidados, o fogo se espalha quase que na mesma hora. É como a saúde mental das crianças. Se elas já estavam num contexto não saudável e sem acolhimento, a chance de o bullying tomar uma proporção maior é grande", explica.


O que fazer para proteger as crianças

Ainda que a família exerça um papel importante para identificar os sinais de risco, também é (ou, pelo menos, deveria ser) uma responsabildade da escola ajudar nessa missão. Segundo a psicóloga Estela Lourenço, é fundamental que família, colégio e alunos trabalhem em equipe.


"Os professores e funcionários precisam de preparo para saber como reconhecer alunos vulneráveis, para escutá-los e fazer, posteriormente e junto com a direção, o contato com as famílias e os encaminhamentos devidos", afirma. "Adolescentes estão gritando, alguns pela voz, alguns pelo silêncio, outros pelas marcas no corpo... E nós precisamos ouvi-los. O trabalho de prevenção ao suicídio precisa ser amplo, numa perspectiva intersetorial e multidisciplinar."


E se engana quem pensa que o olhar cuidadoso e a escuta atenta devem acontecer só com os alunos que são vítimas do bullying. Todos que estão envolvidos na situação podem sofrer as consequências, incluindo os agressores e os espectadores. "Os intimidados, os agressores e os espectadores normalmente vêm de contextos semelhantes.


A diferença é que, enquanto as vítimas tendem a ser internalizadores, os agressores são mais externalizadores", afirma o psiquiatra pediátrico Tyler Black.

Nesse sentido, a escola também pode ser uma boa porta de entrada para introduzir o assunto do suicídio e do bullying com os pais e responsáveis, seja por meio de palestras ou rodas de conversa. O ideal é que isso seja feito de forma contínua e oferecendo suporte para que as crianças tenham a quem recorrer e pedir ajuda, caso sintam necessidade.


"Não adianta eu dar uma palestrinha aqui e outra ali e achar que resolvi o problema. Existe todo um organanograma do que precisa ser feito. É necessário fazer uma capacitação da equipe escolar para detecção de risco e oferecer um suporte especializado dentro da escola, com, no mínimo, uma psicóloga e uma assistente social. Afinal, qual é o objetivo de eu ensinar os pais e os alunos a identificarem os sinais de risco, se eu não sou capaz de garantir esse acolhimento depois?", afirma a psicóloga Raquel Antoniassi.


Atenção aos sinais

Caso desconfie de que seu filho esteja sofrendo bullying ou pensando em suicídio, o melhor a se fazer é observar os sinais de alerta, promover um ambiente de acolhimento e buscar ajuda. "Crianças sempre dão sinais de que algo não vai bem. Fique atento se ela disser que quer desistir de alguma coisa, se tinha um hobbie e não quer mais ter, se fica irritadiça por um tempo prolongado.


Uma mudança de hábitos alimentares, seja comer demais ou de menos, também é um alerta. Preste atenção também se o seu filho evita certos lugares, se muda de amizades muitas vezes, se passa muito tempo trancado no quarto, imerso no computador, ou se só usa roupas compridas, com mangas longas. Essa é uma forma de esconder cortes e lesões. É comum que os adultos não deem atenção aos dilemas emocionais dos filhos por acharem que é 'coisa de criança'", afirma Robert Paris, presidente do Centro de Valorização da Vida (CVV).


Caso entenda que a criança realmente precise de ajuda, não hesite em procurar apoio profissional e especializado. "É o acolhimento que salva, que faz com que a criança se desenvolva e não se sinta sozinha. E o contrário também é verdadeiro. Quanto mais só, mais perdida e desamparada a criança fica, mais ela vai entrar em um nevoeiro perigoso. Mostre que você sabe ouvir qualquer coisa. Diga ao seu filho: 'Quero ouvir', 'Eu quero te escutar', finaliza Robert.


Onde buscar ajuda

Se você estiver passando por um momento difícil e precisar de ajuda imediata, entre em contato com o Centro de Valorização da Vida (CVV). Ele é um serviço gratuito de apoio e de prevenção ao suicídio que atende pessoas que precisam conversar. Para falar com a equipe de voluntários, mande um e-mail, acesse o chat pelo site ou disque 188.

Eles ficam disponíveis de domingo a domingo, 24 horas por dia.


O CVV, em parceria com a UNICEF, também tem um canal de escuta exclusivo para adolescentes de 13 a 24 anos. Todo o processo é anônimo e, para usar, não é preciso se identificar. O "Pode Falar" existe para acolher adolescentes que sentem que precisam de ajuda e queiram conversar. Isso pode ser feito pelo chat online ou pelo WhatsApp.

É preciso checar os horários de atendimento no site.







7 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page