top of page
Revista Crescer

Transtorno do Desenvolvimento da Linguagem (TDL): o que você precisa saber.

Fonte: Revista Crescer / Vanessa Lima

Como falar sobre dinheiro com as crianças.

Cada criança tem o seu tempo para atingir os principais marcos

do desenvolvimento?


Sim e não. Essa frase, bastante usada para acalmar pais e mães preocupados com a velocidade com a qual os filhos adquirem certas habilidades esperadas, é válida em alguns casos, mas também pode ajudar a normalizar sintomas que requerem identificação e intervenção. O desenvolvimento da fala é um deles.


Seu filho não precisa sair falando antes do bebê da vizinha e um pequeno atraso pode mesmo não significar nada. Porém, existem sinais de alerta que não devem ser ignorados, já que podem indicar a existência de condições como o Transtorno do


Desenvolvimento da Linguagem (TDL). Você já ouviu falar?

“O Transtorno do Desenvolvimento da Linguagem (TDL) é uma condição que afeta a capacidade da criança de compreender e/ou expressar linguagem de forma adequada para sua idade.


Pode ser definido como um atraso persistente no desenvolvimento da linguagem, não atribuível a uma causa conhecida, como deficiência intelectual, deficiência sensorial ou distúrbios neurológicos”, explica a fonoaudióloga Liziane Chrystine Diogo de Souza Marques, do Hospital Santa Paula (SP).


Embora haja relatos de crianças com esse quadro — compreendido como uma dificuldade na aquisição da linguagem, na ausência de outras doenças — desde o século 19 (não que antes disso os casos não existissem, mas não há registros conhecidos), o nome Transtorno do Desenvolvimento da Linguagem ou TDL foi cunhado muito recentemente, só na última década.


Antes, de acordo com a fonoaudióloga Cibele Fontoura Cagliari, do Hospital Infantil Pequeno Príncipe (PR), diferentes terminologias eram utilizadas, como “atraso na linguagem”, “afasia congênita” ou “distúrbio de linguagem”, mas a aplicação era inapropriada.


“No Brasil, houve, por muito tempo, o uso do termo Distúrbio Específico de Linguagem (DEL), aplicado às crianças que não apresentavam deficiências sensoriais, alterações neurológicas, deficiência intelectual (DI), síndromes ou transtornos psiquiátricos que poderiam justificar suas dificuldades de linguagem”, conta a especialista.


“Embora conceitualmente satisfatório, mais de 20 anos de pesquisas na área evidenciaram alguns problemas com essa classificação. Crianças com desempenho cognitivo limítrofe, por exemplo, não poderiam ser classificadas nem como DEL e nem como DI”, pontua.


Foi só em 2014, segundo ela, que o periódico científico International Journal of Language & Communication Disorders desencadeou uma ampla discussão sobre a questão, o que acabou levando um grupo de pesquisadores ingleses a desenvolverem um estudo multidisciplinar, com o intuito de chegar a um consenso.


Então, estabeleceu-se que, para o diagnóstico de TDL, é preciso entender se as dificuldades de linguagem apresentadas pela criança são persistentes e significativas. Depois, se a existência das dificuldades persistentes forem confirmadas, o segundo passo é identificar a presença ou não de outros quadros associados.


“A partir daí, houve a recomendação do uso do termo diagnóstico Transtorno do Desenvolvimento de Linguagem (TDL)”, explica. Mas isso apenas se não forem constatados outros quadros associados, como autismo, TDAH, deficiência intelectual ou deficiência auditiva.

 

Um diagnóstico desafiador

Embora os sinais apareçam cedo, não é simples fazer um diagnóstico preciso logo de cara, quando a criança é pequena, conforme explicam as fonoaudiólogas Juliana Gândara e Marina Puglisi, representantes da TDL Brasil, uma iniciativa que surgiu da necessidade de conscientização sobre o transtorno e de capacitação de profissionais para a identificação, diagnóstico e intervenção em TDL.


“Isso porque outras condições podem apresentar os mesmos sinais, dificultando o diagnóstico diferencial. Crianças com transtornos motores de fala, transtorno do espectro autista, deficiência auditiva ou intelectual, entre outras, também apresentam atraso no desenvolvimento da linguagem”, afirma Juliana.


Como um dos critérios do TDL é que as alterações de linguagem sejam persistentes, dificilmente o diagnóstico é fechado antes dos 4 anos de idade, ainda que a busca por ajuda tenha acontecido cedo.


Soma-se a isso justamente a demora em identificar que há uma questão no desenvolvimento, que requer investigação. ”A criança com TDL é inteligente e pode se desenvolver muito bem em outras habilidades, o que pode fazer com que suas dificuldades de linguagem passem despercebidas”, aponta Marina, que é professora adjunta do Departamento de Fonoaudiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).


Muitas vezes, o TDL pode ser confundido com o autismo. “Isso acontece devido à sobreposição de alguns sintomas, como dificuldades na comunicação e na interação”, afirma Liziane, fonoaudióloga do Hospital Santa Paula. “No entanto, trata-se de condições distintas e uma avaliação detalhada, feita por profissionais especializados, é necessária para diferenciá-los”, acrescenta.


Vale lembrar que o Transtorno do Espectro Autista (TEA) e o Transtorno do Desenvolvimento da Linguagem (TDL) não podem ser diagnosticados na mesma criança e isso também ajuda a causar certa confusão.


“No TDL, a criança tem alterações persistentes de linguagem que não podem ser explicadas por uma condição biomédica associada (como o TEA)”, lembra Juliana. Quando a criança é pequena e tem essa dificuldade de falar ou de compreender palavras, como consequência, pode ter comportamentos considerados inadequados.


Conforme ela cresce, pode ter dificuldades nas interações sociais. “Essas inadequações, porém, são consequências dos desafios que enfrenta por conta da falta de compreensão ou expressão da linguagem, por conta do TDL”, diz a especialista do TDL Brasil.


Já as crianças que estão no TEA apresentam dificuldades persistentes na interação social, entra outras características. “As alterações no desenvolvimento dos aspectos formais da linguagem não estão presentes”, diz.


Apesar disso, algumas crianças no TEA podem, sim, também ter dificuldades persistentes relacionadas à linguagem. “Nesse caso, o que existe é um Transtorno de Linguagem (TL) associado ao TEA. A identificação, a caracterização das manifestações e o diagnóstico diferencial são essenciais para que a intervenção seja específica e igualmente diferenciada”, esclarece Juliana.


”A criança com TDL é inteligente e pode se desenvolver muito bem em outras habilidades, o que pode fazer com que suas dificuldades de linguagem passem despercebidas”


Marina Puglisi, fonoaudióloga da TDL Brasil

De acordo com as especialistas do TDL Brasil, o transtorno afeta cerca de 7% da população. “Isso significa que, em uma sala de aproximadamente 30 alunos, dois têm TDL”, afirma Juliana.


E os números podem até ser o dobro disso ou mais, se considerarmos os casos que não chegam a ser diagnosticados. É muito provável, pelas estatísticas, que você conheça alguém que tenha TDL, mesmo sem saber. O transtorno é mais frequente em meninos do que em meninas, assim como acontece com quase todos os transtornos de fala e linguagem.


O TDL acomete 1 menina a cada 3 meninos. “As causas ainda não são totalmente claras, mas há muitos estudos demonstrando que diferenças nos níveis de hormônios sexuais (estrogênio e testosterona) durante o período embrionário ou pós-natal inicial podem estar associadas à anatomia e organização funcional das áreas cerebrais relacionadas à linguagem e ao próprio desenvolvimento comunicativo”, explica Juliana.


Quais são as causas do TDL?

Até hoje, a ciência não determina uma única causa para o Transtorno do Desenvolvimento da Linguagem, mas já identificou alguns fatores de risco normalmente associados com os casos de suspeita.


“Sabe-se, por exemplo, que o quadro pode ter relação com aspectos genéticos e do desenvolvimento intrauterino”, aponta a fonoaudióloga Marina, da TDL Brasil. “Pais com histórico de alterações do neurodesenvolvimento têm mais chances de ter filhos com TDL (isso também ocorre com outros quadros neurodivergentes).


Alterações em partes muito pequenas de alguns genes podem aumentar a chance da criança ter TDL, mas a genética sozinha não determina a manifestação. Intercorrências durante a gestação ou o parto, por exemplo, podem aumentar o risco de transtorno de linguagem, tais como a prematuridade, baixo peso ou baixa oxigenação ao nascimento", explica Marina.


Segundo a especialista, o ambiente também tem um papel importante na ativação desses genes, o que é conhecido como "epigenética". "Um ambiente desfavorável para a experiência comunicativa pode contribuir para a manifestação das alterações, da mesma forma que um ambiente favorável, rico em estímulos adequados, pode servir como um fator de proteção: hábitos de leitura em família, a qualidade e o estilo do cuidado e da comunicação dos pais e cuidadores, a qualidade e as oportunidades de interações sociais…

Tudo isso pode aumentar ou reduzir o peso dos fatores de risco”, acrescenta.


Os sinais de alerta — quando buscar ajuda?

Agora que você já sabe que o TDL afeta mais crianças do que se pensa e que os meninos são os principais acometidos (mas não os únicos), é importante entender que identificar e tratar a questão é fundamental para oferecer as melhores chances de desenvolvimento ao seu filho.


O TDL pode impactar no aprendizado escolar, que depende do domínio da linguagem, tanto escrita como falada. Além disso, afeta as habilidades de interação social e a capacaidade de fazer e manter amigos, já que a confiança na comunicação diminui.


Uma criança com TDL tem mais riscos de apresentar dificuldades acadêmicas, sociais e emocionais, não apenas durante a infância, mas também na adolescência e na vida adulta.


Por essa razão, é fundamental que a família fique atenta aos sinais. “Uma criança com suspeita de TDL demora para falar ou aprende algumas poucas palavras, apresentando dificuldade para expandir esse conhecimento, mesmo quando o ambiente é adequado em termos de estímulos”, completa.


Mas, afinal, quais são os sinais que devem ser compreendidos como bandeiras vermelhas? A fonoaudióloga Cibele, do Hospital Pequeno Príncipe, aponta alguns dos principais:

 

Ausência ou pobreza de vocalizações aos 6 meses de idade;

1-Não mostrar interesse em se comunicar e evitar contato visual aos 6 meses;

2-Balbucio sem consoantes aos 9 meses;

3-Não dizer as primeiras palavras aos 15 meses;

4-Ausência de combinação de palavras aos 24 meses;

5-Quando os pais entendem menos de 50% do que a criança fala, aos 2 anos de idade;

6-Quando a criança não se comunica com frases completas aos 3 anos de idade;

7-Quando não relembra eventos recentes após sua ocorrência aos 3 a 4 anos de idade.


Como é o tratamento de crianças com TDL

Não existe uma “receita de bolo” e o tratamento de crianças diagnosticadas com TDL varia de acordo com a criança, com a fase em que ela está e com as necessidades que apresenta. Só um profissional capacitado será capaz de elaborar um plano de intervenção adequado, depois de avaliar o pequeno.


Mas um ponto é fato: a participação da família faz toda a diferença. “Existem evidências robustas na literatura científica sobre a eficácia da intervenção fonoaudiológica e sobre a importância da participação ativa da família e dos educadores envolvidos com a criança”, diz Marina.


“A manifestação das dificuldades do TDL muda conforme a criança se desenvolve e, portanto, os objetivos também devem mudar com o tempo. As necessidades de uma criança de 3 anos provavelmente estarão relacionadas à aprendizagem de palavras, possivelmente à inteligibilidade da fala e ao uso de frases cada vez mais complexas; já as de uma criança mais velha provavelmente estarão relacionadas à compreensão de conteúdos acadêmicos cada vez mais formais e complexos e à elaboração de textos e narrativas com coesão e coerência, tanto na linguagem oral quanto na escrita.


Dependendo da idade, das características da criança e do impacto das alterações de linguagem na sua saúde mental e desempenho acadêmico, pode também ser necessário um trabalho conjunto com psicólogos e psicopedagogos”, afirma a especialista.


Mas, em geral, o tratamento envolve terapia de fala e linguagem, com terapia comportamental e programas educacionais especializados. “O envolvimento dos pais e cuidadores no processo de tratamento também é fundamental para o sucesso a longo prazo”, reforça Liziane.

Estar ao lado do seu filho nessa jornada, certamente, vai fazer toda a diferença!





 


 







15 visualizações0 comentário

Comments


bottom of page